A identidade cristã nos dias atuais

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

22. RETALIAÇÃO


“Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’. Mas eu lhes digo: Não resistam ao perverso” (Mateus 5. 38-39a).

O dicionário define retaliar como revidar com dano igual ao dano recebido. Tanto o título dado a este texto quanto a lei do Velho Testamento são expressões fortes que precisam ser entendidas, no contexto de uma multidão de pessoas que, tendo saído do Egito, rumava para a Terra Prometida, onde se organizaria como povo. Nesta quinta ilustração dada por Jesus sobre a interpretação da lei mosaica, vamos manter mais uma vez aquela tríplice divisão da matéria, considerando o que o Velho Testamento afirma, o que os escribas e fariseus defendiam e o que Jesus define como válido diante do espírito da lei.
Êxodo, Levítico e Deuteronômio trazem a expressão "olho por olho, dente por dente". Por que foi outorgado este princípio? Como nos casos de adultério e divórcio, o principal intuito deste preceito mosaico era o de controlar os excessos; no caso em questão era controlar a ira, a violência e a vingança. O revide faz parte do nosso instinto natural de seres humanos, presente até mesmo nas crianças na mais tenra idade. Era necessário reduzir essa tendência, devolvendo certa ordem à sociedade dos homens. Por causa da dureza do coração humano, a lei previa castigo sempre equivalente à ofensa, sem jamais excedê-la.
O mais importante da questão é que o preceito foi dado para ser aplicado pelos juízes, não por indivíduos, fato que escribas e fariseus pareciam ignorar, dele fazendo uma questão de aplicação pessoal. Assim, consideravam como um dever pôr em prática o "olho por olho" e "dente por dente", numa perspectiva legalista, considerando somente o direito legal, atitude típica do egoísmo do ser humano natural.
Vejamos agora o que Jesus define como o espírito da lei. Em primeiro lugar, não resistir ao perverso é uma atitude que não pode ser aplicada ao pé da letra, pois forças policiais, magistrados, juízes e tribunais de justiça resistem ao perverso por força da própria função. Este ensino não se destina às nações ou ao mundo em geral, nem ao indivíduo que não é cristão. Jesus estava falando com aqueles que ele já havia descrito nas bem-aventuranças, pessoas humildes de espírito, perfeitamente conscientes de que são pecadoras e totalmente carentes aos olhos de Deus, que choram por seus pecados, são mansos, tem fome e sede de justiça, e assim por diante. O ensino desse preceito não pode ser observado por quem não possua essas qualidades. Além do mais, o presente preceito só pode ser aplicado ao cristão e em suas relações pessoais, não em suas relações como cidadão do seu país. O Senhor pede a cada um de nós que encare a si mesmo ao afirmar: "Dê a quem lhe pede, e não volte as costas àquele que deseja pedir-lhe algo emprestado”. Em outras palavras, Jesus dizia que, se somos crentes autênticos, precisamos morrer para o próprio eu.
É preciso que eu esteja seguro em minhas atitudes para comigo mesmo, com relação ao meu espírito de autodefesa diante da injustiça, bem como da retaliação, que tanto caracteriza o homem natural. Isto se aplica ao relacionamento com o próximo, assim como às exigências impostas pela comunidade ou pelo Estado. Finalmente, podemos entender as palavras de Jesus, acrescidas do adendo, com plena aplicação ao preceito estudado: "Se alguém quiser ser meu discípulo, então negue-se a si mesmo (juntamente a todos os direitos que julga ter sobre a sua própria pessoa), tome a sua cruz e siga-me". No mundo atual, no qual o ser humano tanto luta por seus direitos, esquecendo-se de que precisa também considerar os seus deveres, numa civilização que transtornou a ideia de valores de tal forma que não sabemos mais realmente quais são os direitos humanos pelos quais deveríamos lutar, Jesus continua aconselhando: “Não resistam ao perverso”.

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