“Vocês ouviram o que
foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’. Mas eu lhes digo: Não resistam ao
perverso”
(Mateus 5. 38-39a).
O dicionário
define retaliar como revidar com dano igual ao dano
recebido. Tanto o título dado a este texto quanto a lei do Velho Testamento
são expressões fortes que precisam ser entendidas, no contexto de uma multidão
de pessoas que, tendo saído do Egito, rumava para a Terra Prometida, onde se
organizaria como povo. Nesta quinta ilustração dada por Jesus sobre a
interpretação da lei mosaica, vamos manter mais uma vez aquela tríplice divisão
da matéria, considerando o que o Velho Testamento afirma, o que os escribas e
fariseus defendiam e o que Jesus define como válido diante do espírito da lei.
Êxodo, Levítico e
Deuteronômio trazem a expressão "olho por olho, dente por dente". Por
que foi outorgado este princípio? Como nos casos de adultério e divórcio, o
principal intuito deste preceito mosaico era o de controlar os excessos; no
caso em questão era controlar a ira, a violência e a vingança. O revide
faz parte do nosso instinto natural de seres humanos, presente até mesmo nas
crianças na mais tenra idade. Era necessário reduzir essa
tendência, devolvendo certa ordem à sociedade dos homens. Por causa da
dureza do coração humano, a lei previa castigo sempre equivalente à ofensa, sem
jamais excedê-la.
O mais importante da
questão é que o preceito foi dado para ser aplicado pelos juízes, não por
indivíduos, fato que escribas e fariseus pareciam ignorar, dele fazendo uma
questão de aplicação pessoal. Assim, consideravam como um dever pôr em prática
o "olho por olho" e "dente por dente", numa perspectiva
legalista, considerando somente o direito legal, atitude típica do egoísmo do
ser humano natural.
Vejamos agora o que
Jesus define como o espírito da lei. Em primeiro lugar, não resistir ao
perverso é uma atitude que não pode ser aplicada ao pé da letra, pois
forças policiais, magistrados, juízes e tribunais de justiça resistem ao
perverso por força da própria função. Este ensino não se destina às nações ou
ao mundo em geral, nem ao indivíduo que não é cristão. Jesus estava falando com
aqueles que ele já havia descrito nas bem-aventuranças, pessoas humildes de
espírito, perfeitamente conscientes de que são pecadoras e totalmente carentes aos
olhos de Deus, que choram por seus pecados, são mansos, tem fome e sede de
justiça, e assim por diante. O ensino desse preceito não pode ser observado por
quem não possua essas qualidades. Além do mais, o presente preceito só pode ser
aplicado ao cristão e em suas relações pessoais, não em suas relações como
cidadão do seu país. O Senhor pede a cada um de nós que encare a si mesmo ao
afirmar: "Dê a quem lhe pede, e não volte as costas àquele que
deseja pedir-lhe algo emprestado”. Em outras palavras, Jesus dizia
que, se somos crentes autênticos, precisamos morrer para o próprio eu.
É preciso que eu esteja
seguro em minhas atitudes para comigo mesmo, com relação ao meu espírito
de autodefesa diante da injustiça, bem como da retaliação,
que tanto caracteriza o homem natural. Isto se aplica ao relacionamento com o
próximo, assim como às exigências impostas pela comunidade ou pelo Estado.
Finalmente, podemos entender as palavras de Jesus, acrescidas do adendo, com
plena aplicação ao preceito estudado: "Se alguém quiser ser meu
discípulo, então negue-se a si mesmo (juntamente a todos os direitos
que julga ter sobre a sua própria pessoa), tome a sua cruz e
siga-me". No mundo atual, no qual o ser humano tanto luta por
seus direitos, esquecendo-se de que precisa também considerar os seus deveres,
numa civilização que transtornou a ideia de valores de tal forma que não
sabemos mais realmente quais são os direitos humanos pelos quais deveríamos
lutar, Jesus continua aconselhando: “Não resistam ao perverso”.