A identidade cristã nos dias atuais

sábado, 28 de março de 2020

30. TESOUROS DA TERRA E DOS CEUS


“Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam” (Mateus 6. 19-20).

O tema desta seção do Sermão do Monte é a relação entre o cristão e Deus como seu Pai celeste. O nosso problema e conflito em busca da vivência da piedade individual está representado nas palavras mundo, carne e diabo, estando em discussão neste texto o problema do mundo.
Para as Escrituras, o mundo não se refere ao universo físico, nem meramente ao conjunto total dos seres humanos, mas a uma atitude e a uma mentalidade, uma maneira de encarar a vida como um todo. Na sequência apresentada por Jesus, o cristão prepara-se em segredo, em seu próprio quarto, orando e jejuando; em seguida, ajuda o próximo com esmolas e outras boas obras, sem se deixar notar. Na atuação do servo de Deus junto às pessoas, o mundo fará tudo quando estiver ao seu alcance para derrotar o crente, para arruinar-lhe a vida espiritual. Não devemos nos retirar da vida ativa para um mosteiro ou qualquer outro lugar, pois a Bíblia nos mostra que podemos vencer o mundo enquanto estamos no meio dos homens. Jesus estabeleceu seu princípio dizendo "não acumulem tesouros sobre a terra..., mas ajuntem tesouros no céu..." O restante dos dois versos contém as razões e explicações oferecidas por Jesus, ao apresentar uma dupla exortação, com um aspecto negativo e outro positivo.
Iniciando com o aspecto negativo de não ajuntarmos tesouros na terra, a palavra "tesouros" não se aplica diretamente a dinheiro; o vocábulo tem sentido amplo e inclui muita coisa; não são nossas posses, mas a atitude em relação a elas. Vivendo neste mundo, corremos o risco de entregar todos os nossos interesses e esperanças para esta vida às nossas ambições. Todos nós temos algum tesouro, de uma espécie ou de outra; pode ele ser uma pessoa, um dom, uma casa; pode ser a honra pessoal, a posição social, os cargos obtidos, o próprio trabalho; enfim, pode ser o amor a qualquer coisa que comece e termine aqui mesmo, nesta vida e neste mundo. Existem até pregadores que se deixam levar por tesouros, representados por elogios pela pregação ou por qualquer outra forma de atuação pastoral, sem perceberem que estão juntando tesouros na terra.
No lado positivo da questão, Jesus disse para ajuntarmos tesouros no céu. Não se trata de salvação pelas próprias obras, pois isto negaria a doutrina neotestamentária da justificação somente pela fé. Escrevendo sua primeira carta a Timóteo, Paulo recomenda: “Ordene aos que são ricos no presente mundo que não sejam arrogantes, nem ponham sua esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus, que de tudo nos provê ricamente, para a nossa satisfação. Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir. Dessa forma, eles acumularão um tesouro para si mesmos, um firme fundamento para a era que há de vir, e assim alcançarão a verdadeira vida”. Na nossa vivência diária, para cumprirmos esse preceito, precisamos lembrar Hebreus, que relata que os heróis da fé andavam como quem vê o que é invisível, sendo estrangeiros e peregrinos sobre a terra e esperando a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador. O que levou todos os heróis da fé a estarem preparados para fazer aquilo que fizeram? Apenas a expectativa de uma pátria superior, isto é, celestial.
No mundo, não somos proprietários permanentes de nada, seja de dinheiro, intelecto ou da nossa própria pessoa, nosso corpo, nossa personalidade ou qualquer dom que possamos ter. O cristão sabe que deve ter cuidado ao utilizar todas essas coisas, bem como atentar para sua atitude para com elas, pois é mordomo de Deus e vai prestar contas a ele. Estamos armando nossa tenda terrena, a cada dia que passa, um pouco mais perto do lar celestial. Como mordomo de Deus, não posso apegar-me às coisas como se fossem minhas, não devendo elas ocupar a minha mente, a minha atenção, sendo o centro da minha vida. Eu preciso gerenciar essas coisas, garantindo e esperando seguramente, para mim mesmo, um tesouro no céu.

29. O JEJUM

"Tenham o cuidado de não praticar suas "obras de justiça' diante dos outros para serem vistos por eles. Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial" (Mateus 6.1).

A questão da disciplina pessoal para as obras de justiça na vida espiritual do cristão será aqui considerada com relação ao jejum. Em nossa vida diária, temos contatos pessoais com homens e mulheres, com Deus e também conosco mesmo. O jejum é uma prática que relaciona o homem a Deus. O princípio que se aplica ao jejum pode igualmente ser aplicado à oração, ao dízimo e a outras áreas ligadas à nossa espiritualidade.
Embora a verdade do Evangelho permaneça imutável, pelo seu caráter multilateral e por causa da natureza humana pecaminosa, em certas épocas particulares na história, tanto de Israel quanto da igreja, tem havido necessidade de alguma ênfase especial sobre aspectos da verdade. A relação entre fé e obras, por exemplo, existe tanto no Velho Testamento (com relação a sacerdotes e profetas) quanto no Novo (entre Tiago e Paulo, por exemplo). Modernamente, entre os evangélicos, essa questão de jejum quase desapareceu de nossa prática diária, talvez em ojeriza ao ensino católico que sempre deu muita ênfase à questão.
Qual é o papel do jejum na vida do crente? Inicialmente, jejum era uma prática ensinada no Antigo Testamento pela lei de Moisés aos filhos de Israel, que deveriam jejuar uma vez por ano como estatuto obrigatório. O próprio povo judeu acrescentou certos jejuns adicionais e os fariseus costumavam jejuar duas vezes por semana. As Escrituras mostram que Jesus e os apóstolos tinham o hábito de jejuar, embora não mantivessem o costume farisaico. A igreja, ao atingir regiões gentias, manteve o jejum, como aconteceu em Antioquia ao enviar Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária. O povo de Deus sempre sentiu que o jejum não somente é uma prática correta, mas também se reveste de imenso valor quanto a seus efeitos, sob determinadas circunstâncias. 
Há maneiras erradas e o modo certo de praticar o jejum. Ele não deve ser praticado de maneira mecânica, vendo-se o jejum como uma finalidade em si mesmo. Não devemos também esperar resultado diretos e imediatos do jejum. Não devemos confundir em sua prática aquilo que é físico com o que é espiritual, sendo atualmente um grande perigo a tendência de alguns ramos do cristianismo de tornarem doutrinária uma experiência espiritual pessoal.
O modo certo de jejuar é considerar o ato como um meio para se chegar a um fim, e não como um fim em si mesmo. Por isso, devo jejuar somente quando sentir que estou sendo levado pelo Espírito de Deus e tiver por objetivo algum elevado propósito espiritual. Conforme já foi dito, o princípio que baseia o jejum cobre muitos ângulos da nossa vida cristã, condenando-se a aparência piedosa proposital na adoção de atitudes religiosas que deem na vista. Isso pode acontecer até quando estamos entoando hinos ou mesmo orando.
Quando você jejuar, faça-o de maneira natural, não se preocupando com a opinião alheia ou com a impressão que estiver causando a outros. Esqueçamo-nos de nós mesmos e focalizemos nosso alvo em Deus. Se um homem estiver vivendo inteiramente para a glória do Senhor, ninguém precisará prescrever para ele quando deve jejuar, o mesmo acontecendo com o tipo de roupa que deve vestir, ou qualquer escolha a ser feita. O Pai que nos vê em segredo nos recompensará.